Curtas e Grossas do Berimbau: Luz para um país obscuro

A campanha presidencial trouxe para o “debate político” a intolerância do cotidiano de um país que não gosta de se ver no espelho, com todas as suas manifestações de preconceito, xenofobia, misoginia, racismo e de solidariedade restrita.

As discussões nas redes sociais, particularmente, nos fizeram retornar ao mais primitivo tribalismo, apresentando uma irracionalidade extremada, mesmo entre os que têm acesso ao conhecimento.

A maledicência ou, ainda pior, as agressões desmedidas – até falar na mãe do outro valeu, por esses tempos de “discussão política”- revelaram o lado obscuro de muitos que haverão de negar no futuro o que disseram ou fizeram. Por comodidade, por racionalização – não por sincero julgamento de consciência.

Não, o brasileiro não é pior do que nenhum povo do mundo. O que diferencia uma sociedade é como ela lida com os excessos humanos.

A isto deveremos chamar de civilidade. Uma construção histórica que nos ensina como lidar com a diversidade, respeitando-a, ainda que não resulte no “amai-vos uns aos outros”. Eu prefiro: respeitemos uns aos outros.

A disputa presidencial serviu para suprir o profundo vazio que os tempos nos impõem. O ódio, como sói acontecer, uniu mais do que a solidariedade – o que está longe de ser uma manifestação social saudável.

“A civilidade tem como objetivo proteger os outros de serem sobrecarregados com o nosso peso”. A frase do sociólogo, músico e romancista Richard Sennett talvez defina com mais precisão o conceito sobre o qual devemos nos debruçar.

Auto Escola Regional – Dirija com amor a vida

O que vimos por esses dias de segundo turno, principalmente, foi a replicação do nosso comportamento nas coisas mais banais do dia a dia: no trânsito, no ambiente de trabalho, no supermercado e até na família.

O Brasil precisa bem mais do que uma economia crescente, empregos bem remunerados, consumo elevado. Tudo isso é importante, mas necessitamos avançar no conhecimento do que somos verdadeiramente: não o país do “homem cordial” – uma falsa interpretação da definição de Sérgio Buarque de Hollanda -, mas como uma nação que ostenta números terríveis e inaceitáveis de assassinatos (56 mil/ano), estupros (52 mil/ano), abortos clandestinos (estima-se que sejam um milhão/ano, resultando na morte evitável uma mulher pobre a cada dois dias), justiçamentos em série em plena luz do dia.

É provável que já circule pela rede textos estúpidos, de uma gente igualmente estúpida, a dizer que os nordestinos elegeram Dilma Rousseff. Será apenas mais uma manifestação de intolerância, a busca de um atalho para “explicar” o sofrimento de quem se viu derrotado nas urnas.

Se ocorresse o contrário, as acusações não seriam diferentes: a “elite branca” seria a culpada do “retrocesso”.

Um país avança no processo civilizatório com educação, formação de consciência crítica, construção de instituições que funcionem para todos – o mais igualmente quanto for possível à espécie.

O Brasil já avançou muito, não o suficiente para fazer da verdadeira cordialidade e do respeito entre os que habitam um território espetacularmente belo e diverso o comportamento dominante, que forja uma grande nação.

Civilidade não se compra no shopping da esquina. Não por acaso, uma rima fácil para felicidade. E como cantou Tom Jobim, em Wave: “É impossível ser feliz sozinho.”

 

Publicada no dia 27 de outubro, às 09h21

 

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